A venda de um bem de família após a inscrição em dívida ativa  constitui automaticamente fraude contra credores? Recebi essa pergunta de um cliente em que a dívida da empresa foi redirecionada para o sócio administrador, após diversas tentativas frustradas de penhora de bens da empresa. Ocorre que o sócio administrador havia vendido um bem de família após a inscrição da dívida na dívida ativa e a Fazenda alegou que houve fraude à execução. 

Pois bem, no Brasil, a Lei nº 8.009/1990 estabelece que o imóvel considerado bem de família é impenhorável e não pode ser utilizado para quitar dívidas comuns, exceto em algumas situações específicas, como dívidas relacionadas ao próprio imóvel (por exemplo, impostos e taxas de condomínio) ou dívidas de pensão alimentícia. Mesmo em casos de dívidas fiscais, como a inscrição em dívida ativa, o bem de família continua protegido.

A impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90 buscou proteger o imóvel residencial do casal pela sua reconhecida imprescindibilidade para a famı́lia, em atenção, ao mesmo tempo, ao preceito constitucional de proteção à entidade familiar.

A matéria de impenhorabilidade do bem de famı́lia é de ordem pública e é dever do Judiciário assegurar à entidade familiar aquilo que represente o anseio de todo ser humano: a casa de moradia.

A Lei do Bem de Famı́lia visa proteger não só a pessoa do devedor, mas também a sua famı́lia e a sociedade, podendo ser arguida em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofı́cio.

No âmbito tributário, o artigo 185 do CTN prevê a hipótese de presunção de fraude a alienação ou oneração de bens ou rendas por sujeito passivo com débito perante a Fazenda Pública inscrito em dívida ativa. Vejamos:

“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.”

Ocorre que no caso, o bem de família é considerado impenhorável por força do artigo 1º da Lei nº 8.009/90, que assim prevê:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

Assim, mesmo que a Fazenda Nacional alegue a fraude, a consequência será o retorno do bem ao patrimônio do devedor, e com isso o imóvel voltará ao status anterior que é de bem de família, e portanto, impenhorável.

Isso significa dizer que, nesta situação, a alegação de fraude não trará nenhum benefício à Fazenda Pública, pois ela não vai conseguir penhorar o bem, que terá o seu status de bem de família.

No entanto, se a venda do bem de família após a inscrição em dívida ativa for realizada com o objetivo de fraudar credores ou burlar a lei de alguma forma, isso poderá ser considerado fraude à execução. A fraude à execução ocorre quando uma pessoa tenta evitar o pagamento de suas dívidas por meio de ações fraudulentas, como a venda de bens importantes para a sua subsistência.

Cada caso é único e depende das circunstâncias específicas de cada caso. No entanto, sem comprovar o objetivo de fraudar ou burlar a lei, o bem de família pode ser alienado, mesmo com a existência de dívida inscrita em dívida ativa.

Sueny Almeida de Medeiros – Nascida em Brasília/DF, formada em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO, Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Foi Professora Seminarista de Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Foi Conselheira da OAB/DF, Presidente da Comissão de admissibilidade da OAB/DF, Membro da Comissão de Assuntos Tributários, da Comissão de Sociedades e da Comissão de Seguridade Social da OAB/DF nos triênios 2013/2015 e 2016/2018.  Principais atuações: Planejamento Tributário, Consultoria Tributária, Contencioso Tributário Judicial e Administrativo e Regulatório na área de Planos de Saúde.